Connect with us

Notícias

O Projeto de Lei da Câmara nº 39/2014 aprovado no Senado e as mudanças nas atribuições das Guardas Municipais

AVISO AOS NAVEGANTES

Especialista em Segurança Pública publica artigo importante no Jus Brasil, este é o primeiro estudo sobre a lei. Parabéns!

Por Naval


O Projeto de Lei da Câmara nº 39/2014 aprovado no Senado e as mudanças nas atribuições das Guardas Municipais

Marcelo Alves Batista dos Santos

DIREITO CONSTITUCIONAL- DIREITO ADMINISTRATIVO – DIREITO MUNICIPAL – DIREITO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Analisar as atribuições e área de atuação das Guardas Municipais conforme o artigo 144, §8º, da CRFB, E as mudanças que o Projeto de Lei da Câmara nº 39/2014 podem trazer na atuação desses agentes através da padronização e de maior segurança jurídica

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo precípuo analisar as atribuições e a área de atuação das Guardas Municipais no que foi instituído no artigo 144, §8º, da Constituição Federal, referentes à proteção de bens, serviços e instalações. E as mudanças que o Projeto de Lei da Câmara de nº 39 de 2014 que tramita no Senado proporcionando padronização e segurança juridica a essas instituições quando aprovado.

Palavras-chave: Projeto de Lei do Senado nº39/2014; Guarda Municipal; Segurança pública; Competência; Atribuições.

ABSTRACT

This work has as main objective to analyze the role and area of operation of the Municipal Guards which was established under Article 144, § 8, of the Constitution, relating to the protection of goods, services and facilities. And the changes that the House Bill No. 39 of 2014 pending in the Senate that providing standardization and legal certainty to these institutions when approved

Keywords: Senate Bill No. 39/2014; Municipal Guard; Public safety; competence; Assignments.

INTRODUÇÃO

As Guardas Municipais são instituições centenárias que existiam inicialmente para proteger as cidades, e foram praticamente extintas do texto legal durante a ditadura militar, devido à transferência exclusiva da competência exclusiva da Segurança Pública para os Estados e retornaram a cena na

Constituição de 1988 com a missão de proteger bens, serviços e instalações conforme disposição do artigo 144, parágrafo 8º da Carta Magna.

No caso concreto, essas organizações extrapolaram a barreira do que estava prevista no texto legal e de fato exercem as mais diversas funções, nas cidades em que as existem de maneira a contribuir de forma importante na Segurança Pública, até mesmo, pela tendência de municipalização dos serviços públicos, tendo como exemplo saúde, ensino básico, trânsito, meio ambiente.

Junto com esses fatores é possível notar que as Guardas também cresceram em decorrência do aumento da violência e criminalidade no nosso país, até em cidades do interior onde antes não se ouvia falar na ocorrência de crimes.

1. O PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 39 DE 2014 E O ESTATUTO DAS GUARDAS MUNICIPAIS

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 as Guardas Municipais necessitam de regulamentação, pois no texto normativo pátrio, as atribuições desses agentes estavam dispostas como a proteção de bens, serviços e instalações conforme dispuser a Lei.

Visando corrigir tal distorção o Deputado Arnaldo Faria de Sá propôs o projeto de Lei nº 1332/2003 que conforme outras tantas propostas que tramitam no Congresso tinha como objetivo regulamentar as atribuições das Guardas Municipais.

O referido projeto também denominado de Estatuto Geral das Guardas Municipais ficou por treze aguardando a votação no Congresso até ser votado no dia 23 de abril de 2014 e ter sido enviado para o Senado se transformando no Projeto de Lei da Câmara nº 39 de 2014.

1.1 AS MUDANÇAS COM O PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 39 DE 2014 A SER VOTADO NO SENADO

O projeto de Lei da Câmara que tramita no Senado com o nº 39 de 2014 deve mudar de maneira importante panorama da segurança pública no Brasil, pois os municípios, até então, não tinham responsabilidade alguma pela segurança pública apesar do clamor social e da crescente onda de insegurança sentida pela sociedade.

A partir de então é necessário analisar as mudanças que tal projeto pode trazer nas atribuições das Guardas Municipais caso tal matéria seja aprovada.

No artigo 2º do supra mencionado projeto estão dispostas as atribuições das Guardas Municipais, senão vejamos:

Art. 2º Incumbe as Guardas Municipais, instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas conforme previsto em Lei, a função de proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União do Estado e do Distrito Federal

Aqui a estrutura das Guardas Municipais se mantém de maneira inalterada, pois as Guardas Municipais já existentes já tinham caráter civil, e os dispositivos para a concessão de porte de armas a Guardas Municipais estão previstas na Lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento) e no decreto nº 5123, de Julho de 2004 que dispõe sobre o controle de armas de fogo.

A novidade trazida no caput do artigo é a possibilidade da proteção municipal preventiva, o que significa que os Guardas Municipais também poderiam colaborar na preservação da ordem pública como forças auxiliares, sem, contudo concorrer com os demais órgãos de segurança pública, de maneira residual.

O artigo 3º do Projeto de Lei traz os princípios norteadores da atuação das Guardas Municipais no território nacional

Art. 3º São princípios mínimos na atuação das Guardas Municipais

Proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas;
Preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas
(suprimido)
Compromisso com a evolução social da comunidade; e
Uso progressivo da força
(…)

Essa parte do texto no dispositivo legal faz referência ás novas técnicas de policiamento preconizadas pela Secretaria Nacional de Segurança-SENASP.

No artigo 4º são estabelecidas as atribuições das Guardas Municipais para a proteção de bens, serviços e instalações municipais e no paragrafo único ficam expressamente descritos que os bens a serem protegidos são os bens de uso comum, os de uso especial e os dominiais.

Com relação classificação dos bens, é possível explicitar que os bens de uso comum do povo são os mais amplos porque neles estão incluídos os rios, mares, florestas, praças, estradas ruas, mares, como citado por Meirelles, (2007, pág.495) seriam “o todo, os locais abertos à utilização pública”, adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo, sociedade.

Para Gonçalves, (2008, p.270), os bens de uso comum do povo “são aqueles que podem ser utilizados por qualquer um do povo, sem formalidades, não perdendo essa característica se o poder público regulamentar seu uso, ou torna-lo oneroso, instituindo cobrança de pedágio como nas rodovias”.

Os bens públicos de uso comum são aqueles acessíveis a todas as pessoas, mais precisamente os locais abertos à visitação do público com caráter comunitário, de utilização coletiva com a fruição própria do povo. Inalienável ou fora do comercio, com a observância que em determinados casos especiais podem ter a utilização restringida ou impedida, como por exemplo, um fechamento de uma avenida para a realização de obras, ou a interdição de uma praça para a realização de uma manifestação pública.

E nesse ponto relacionado aos bens públicos de uso comum do povo surge um dos pontos dos defensores da atuação da Guarda Municipal na Segurança Pública. Porque os bens dessa natureza tem utilização ampla, com um número indeterminado de usuários, então é possível imaginar a proteção da Guarda Municipal as ruas, mares, praças, estradas, florestas, parques e outros.

A proteção meramente patrimonial a esses bens, de inúmeros frequentadores, implicaria numa dissociação da segurança de quem os frequenta, coisa que na pratica não é possível, porque tais servidores protegeriam um parque público e não poderiam prestar socorro aos frequentadores de um parque, quando sofressem um furto? Perder uma criança? Precisarem de uma informação? Ou mesmo necessitar que alguém solicite auxilio médico?

Tal pensamento também pode se aplicar perante todos os bens de domínio publico, pois não é possível imaginar que delitos ocorram, ou a necessidade de auxilio, informações, ou prestação de socorro a transeuntes de uma rua, ou uma praça onde a Guarda esteja presente e mantenha a sua atuação voltada apenas ao local, porque o lugar seria o meio esquecendo uma finalidade de garantir lazer, ou transito, locomoção, e a Guarda Municipal deve garantir que essa finalidade seja atingida pela população, sem a interferência de terceiros, e o Guarda é quem primeiro se defronta com tal situação.

Os bens públicos de uso especial são aqueles que as entidades públicas respectivas destinam aos fins determinados ou aos seus serviços, como terrenos ou edifícios aplicados ao seu funcionamento. Tendo como características ser inalienável e imprescritível como os bens de uso comum do povo e quando não mais se prestam a finalidade a qual se destinam é possível suspender essa condição de inalienabilidade legalmente através de concorrência publica.

Nessa perspectiva, Di Pietro (2008, p.636), faz uma distinção interessante em sua obra ao explicar, que a expressão uso especial, para designar essa modalidade de bem, não “é muito feliz”, porque se confunde com outro sentido em que é utilizada, quer no direito estrangeiro, quer no direito brasileiro, para indicar o “uso privativo de bem publico por particular e também para abranger determinada modalidade de uso comum sujeito a maiores restrições, como pagamento de pedágio e autorização para circulação de veículos especiais”.

Os Guardas Municipais, que estão organizando as filas de um hospital, ou prestam segurança aos usuários de um mercado público, informam quem tem dúvidas em uma repartição, ajudam no cumprimento dos atos administrativos emanados por esses órgãos aos particulares, ressaltando o caráter da vigilância não apenas patrimonial, colaboram com o ideal funcionamento dos logradouros públicos e a correta aplicação das posturas publicas.

Os bens dominicais, para Gonçalves, (2008, p.274), são aqueles que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades”.

Os bens de uso de uso dominial, ou dominical partindo dessa premissa são todos aqueles que não são de uso comum do povo, nem de uso especial, porque sobre os demais recai uma destinação especifica. Alguns exemplos de bens dominicais são a divida ativa, os móveis inservíveis, os prédios desativados e os terrenos de marinha.

No artigo 5º do Projeto Lei que tramita no Senado Federal se estabelecem as competências especificas das Guardas Municipais, respeitando as competências dos outros entes federativos.

A proteção dos prédios públicos, do patrimônio histórico, cultural e a coerção contra as pessoas que atentem aos bens, serviços e instalações do município já eram executados pelas Guardas mais a grande novidade no bojo do projeto de Lei é a participação efetiva dos guardas Municipais em várias novas atribuições que já aconteciam nos Municípios de fato e agora encontrarão respaldo legal.

As inovações do texto normativo são a proteção das populações que usam os bens, serviços e instalações, a colaboração com os demais órgãos de segurança em ações conjuntas visando à paz social, a pacificação de conflitos presenciados pelos integrantes das Guardas Municipais, cooperação dos órgãos de defesa civil nos municípios, interação e discussão de projetos voltados à melhoria da segurança das comunidades locais, a celebração de convênios com órgãos Estaduais e Federais e Municipais para a realização de ações integradas, auxiliar na proteção de grandes eventos, na segurança de autoridades e dignitários, atuar nas ações de segurança escolar e principalmente a possibilidade do atendimento a ocorrências policiais senão vejamos os incisos XIII e XIV do artigo 5º:

XIII — garantir o atendimento de ocorrências

emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando

deparar-se com elas;

XIV — encaminhar ao delegado de polícia, diante de

flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do

crime, quando possível e sempre que necessário;

Um ponto polêmico, na atuação dos Guardas Municipais a ser dirimido com a aprovação do PLC 39/2014 é a detenção de infratores, pois integrantes das Policias Militares, Civis e até mesmo do Poder Judiciário entendem se tratar de Usurpação da Função Pública Guardas Municipais efetuarem prisões.

O Código Penal define o crime de Usurpação da Função Pública como “Usurpar o exercício da função pública com Pena-detenção de três meses a dois anos, e multa, e em seu parágrafo único prescreve que se do ato o agente aufere vantagem: reclusão, de dois anos a cinco anos, e multa.”

A jurisprudência pátria, em especial o STJ quando acionado, em diversos julgados, referentes à suposta ilegalidade da Prisão em Flagrante feita por Guardas Municipais, vem negando os Hábeas Corpus, entendendo ser legitima a atuação dessa instituição pelo entendimento que a prisão em flagrante efetuada por Guardas se configura como ato legal em proteção a segurança social, desmistificando o caráter apenas patrimonial da Guarda Municipal.

Os questionamentos se estendem para a dúvida sobre a possibilidade dos Guardas Municipais abordarem pessoas em fundadas suspeitas.

Para Noberto Avena, (2010, p.634-635) a busca pessoal será feita a partir de fundadas suspeitas de que o individuo, portanto algo proibido ou ilícito, podendo ser realizada pela autoridade policial e seus agentes. Ressalta ainda que por fundadas suspeitas entende-se a desconfiança ou suposição, algo intuitivo e frágil.

Conforme tais conceitos a característica principal da busca pessoal é a subjetividade da sua realização, e a sua consequente verificação por autoridade policial.

Conforme jurisprudência do STJ, no Hábeas Corpus nº109. 105-SP é possível Guardas Municipais realizarem a prisão e a busca pessoal, porque seus membros são autorizados a defender a sociedade, quando forem solicitados pela população ou encontrarem infratores em flagrante delito, conforme exposto a seguir:

(…) É certo que não se desconhecendo a limitação da atividade funcional dos guardas municipais trazidas pela Constituição Federal, dispositivo este que no entanto, não retira de seus membros a condição de agentes da autoridade, e como tal autorizados à prática de atos de defesa da sociedade, sobretudo em circunstâncias como a dos autos, em que o acusado se encontrava em condição de flagrância, apontado pela vítima como autor de grave delito ocorrido momentos antes nas proximidades do local onde se encontrava. Outra não poderia ser a conduta esperada dos guardas que ali se encontravam, que não o pronto atendimento à solicitação da vítima, com abordagem do apontado autor do delito e subsequente revista pessoal, que saliente-se, tornou-se frutífera, com apreensão de numerário de mesmo valor daquele que fora subtraído.

Ademais, a prisão em flagrante delito é facultada a qualquer povo, dentre eles, os guardas municipais que se estão autorizados ao mais (realização de prisão), certamente também estão ao menos (efetivação da revista na tentativa de localização do produto do crime).

O artigo 66 da Lei de Contravenções prevê que ao agente que não comunicar a ocorrência de crime de ação pública pode inclusive ser punido. Condição que também se aplica aos Guardas Municipais. Reforçando o entendimento que as Guardas Municipais podem prender em flagrante delito, realizar abordagem em suspeitos e que fazem parte da Segurança Pública SENASP editou através de portaria a participação das Guardas Municipais ao sistema de informações de segurança, INFOSEG, na portaria nº48 de 27 de agosto do ano passado, com intenção de estimular e propor aos órgãos municipais a elaboração de planos e programas integrados de segurança pública, controlar ações de organizações criminosas ou fatores específicos geradores de criminalidade e violência, bem como estimular ações sociais de prevenção da violência e criminalidade, por considerar que o acesso a dados e informações de segurança pública são indispensáveis à formulação desses planos e programas.

A Lei nº 12.681 de 04 de julho de 2012 que instituía o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública trouxe a inclusão dos Municípios no sistema, que se justifica devido a crescente participação desses entes na implementação das políticas de Segurança Pública em todo Brasil, conforme o artigo 4º onde se tem: “Os Municípios”, o Poder Judiciário, a Defensoria Pública e o Ministério Público poderão participar do Sinesp mediante adesão, na forma estabelecida pelo Conselho Gestor.”

No artigo 4º, mais precisamente no inciso III, da já suscitada Lei obriga que o Município tenha Conselho Municipal de Segurança Pública, realize ações de Policia Comunitária, ou que mantenha “Guarda Municipal” para fazer parte do SINESP.

Com a aprovação do PLC 39/2014 por parte do Senado Federal todos esses questionamentos restarão pacificados.

No artigo 6º fica definido que os municípios poderão criar por Lei suas Guardas Municipais que serão subordinadas ao chefe do Executivo Municipal.

Como é possível perceber continua o caráter facultativo para os Municípios criarem Guardas Civis, talvez pela questão financeira e orçamentaria de penúria nas diversas cidades brasileiras.

No artigo 7º o Projeto de Lei traz limites aos efetivos das Guardas Municipais:

Art. 7° As guardas municipais não poderão ter efetivo

superior a:

I — 0,4% (quatro décimos por cento) da população, em

Municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes;

II — 0,3% (três décimos por cento) da população, em

Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de

500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não

seja inferior ao disposto no inciso I;

III — 0,2% (dois décimos por cento) da população, em

Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não

seja inferior ao disposto no inciso I;

III — 0,2% (dois décimos por cento) da população, em

Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes,

desde que o efetivo não seja inferior ao disposto no inciso II.

Parágrafo único. Se houver redução da população

referida em censo ou estimativa oficial da Fundação Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, fica garantida a

preservação do efetivo existente, o qual deverá ser ajustado à

variação populacional, nos termos de lei municipal.

As limitações com o numero de Guardas nos municípios são importantes porque evitam exageros provocados pelo arbítrio dos gestores e visam dar uma maior padronização as Guardas do território nacional.

O artigo 8º cria a possibilidade de municípios limítrofes utilizarem os serviços das Guardas Municipais vizinhas de maneira compartilhada facilitando o reforço da segurança publica em determinadas épocas de maior necessidade de cada cidade e o artigo 9º define que os municípios devem formar Guardas integrantes de carreira única e planos de cargos e salários conforme disposto em Leis Municipais.

Com relação aos requisitos mínimos para a investidura no cargo de Guarda Municipal dispostos no artigo 10º também foi objetivada a padronização com as exigências de nível médio de escolaridade, idade mínima de 18 (dezoito) anos, gozo dos direitos políticos, nacionalidade brasileira, apresentar diversas certidões da justiça, quitações eleitorais, aptidão física, mental e psicológica, investigação social e a liberdade para os Municípios criarem outros critérios.

Os artigos 11º e 12º dispõem sobre o treinamento das Guardas Municipais tendo como referencia a Matriz Curricular Nacional da SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública), mas facultando alterações ao Municípios, respeitando as peculiaridades e aspectos sociais e culturas além da possibilidade de formalização de convênios entre os municípios ou com os Estados Membros para realização dos cursos de formação.

Com relação ao controle da atividade dos Guardas Municipais o Projeto prevê a criação do corregedoria nas Guardas que possuírem mais de 50 (cinquenta) integrantes de carreira e todas que usarem armas de fogo para apuração de infrações disciplinares e a criação de Ouvidorias qualquer que sejam o numero de integrantes para receber e encaminhar sugestões, reclamações, elogios e denuncias, bem como a possibilidade dos municípios criarem órgãos colegiados visando o controle social das atividades de segurança do município analisar a alocação e aplicação dos recursos públicos, monitorar os objetivos e metas da política municipal de segurança e, posteriormente, a adequação e eventual necessidade de adaptação das medidas adotadas face aos resultados obtidos

O Projeto de Lei dispõe em seu artigo 14º que as Guardas Municipais terão Códigos de Conduta próprios e não ficarão sujeitas a regulamentos de origem militar.

Uma importante mudança trazida nesse projeto que é também denominado Estatuto Geral das Guardas Municipais é que conforme preconiza o artigo 15º do dispositivo legal o provimento dos cargos em comissão referente as Guardas Municipais deverá ocorrer por membros efetivos da carreira da Guarda Municipal, o que acarretara uma drástica mudança no panorama atual das Guardas uma vez que em praticamente todas as instituições no pais existem profissionais de outras forças de segurança como policiais civis, militares, federais e bombeiros que são diretores, comandantes ou exercem cargos de alto escalão dentro das Guardas.

A medida força que os Guardas Municipais capacitem profissionais dentro das próprias instituições mais ao mesmo tempo incentiva a meritocracia e almeja criar uma identidade própria e também uma padronização dado o caráter civil destas instituições.

Há de salientar que no paragrafo 1º, do artigo 15º foi criada uma regra de transição onde os municípios nos primeiros 04 (quatro) anos de funcionamento as Guardas Municipais poderiam ser dirigidas por profissionais estranhos aos seus quadros, despertando algumas interpretações porque nas Guardas que tem mais tempo de criação a mudança seria automática, ou os quatro anos seriam contados a partir da promulgação da Lei em epigrafe, possibilitando aos municípios uma qualificação aos futuros dirigentes destas instituições ou visando readequações em conjunturas politicas apalavradas em acordos eleitorais.

Mas o artigo 22º do mesmo projeto de lei vem dirimindo essas duvidas estabelecendo o prazo de 02 (dois) anos para os municípios se adaptarem ao Estatuto Geral das Guardas Municipais o que significa que o prazo para as Guardas que já existiam a mais de 04 (quatro) anos é de 02 (dois) anos para substituir o quadro comissionado para servidores de carreira e as que forem criadas a partir de então são de 04 (quatro) anos conforme exposto aqui.

O projeto de Lei também assegura percentual mínimo de mulheres nas instituições Guardas Municipais que deverá ser estabelecida em Lei Municipal e garante a progressão funcional da carreira de Guarda Municipal em todos os níveis.

Em seu artigo 16º o referido projeto traz a autorização para o porte de arma de fogo das Guardas Municipais conforme previsto em Lei.

Essa previsão legal está na Lei 10.826/2002 (Estatuto do Desarmamento) que prevê a possibilidade da Guarda Municipal ser armada nos seguintes casos:

Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

(…)

III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;

IV – os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;/

(…)

A matriz curricular da SENASP institui a modalidade de curso de habilitação necessário a obtenção do porte de arma de fogo e os exames psicológicos e curso de habilitação profissional dos quais os Guardas serão submetidos durante o processo para habilitação profissional ao uso de arma de fogo são regulamentados e fiscalizados através da Policia Federal conforme o artigo 40 do Decreto Presidencial de 5123 de 01 de Julho de 2004.

O projeto de Lei da Câmara amplia as hipóteses de suspensão do porte de arma de fogo para as Guardas Municipais no parágrafo único do artigo 16º em razão de decisão médica, decisão judicial ou justificativa da adoção da medida pelo respectivo dirigente.

O artigo 17º do Estatuto geral proporcionará melhorias na estrutura das Guardas já existentes e nas que ainda serão criadas pois será destinada por parte da Anatel frequência de rádio exclusiva aos Municípios que possuam Guarda Municipal e também ocorrerá a destinação de linha telefônica gratuita de numero 153 para Guarda Municipal sem custos possibilitando que a população acione os serviços da Guarda sem custos para os cidadãos nem para os municípios.

No artigo 18º do mencionado projeto de Lei é possível notar uma das conquistas mais importantes para os integrantes das Guardas Municipais do país, onde fica disposto que é assegurado ao Guarda Municipal o recolhimento a cela, isoladamente dos demais presos, quando sujeito á prisão antes da condenação definitiva.

Tal dispositivo não necessitaria ser incluído se nas unidades prisionais brasileiras fosse cumprido o que está disposto no artigo 5º da Constituição Federal e no principio fundamental da dignidade da pessoa humana, mais na pratica o que acontece com os integrantes das Guardas que são presos provisoriamente é que ficam expostos a toda sorte de humilhações e violência, pois são colocados junto com outros presos, o que deve mudar se o Projeto de Lei da Câmara for aprovado e posteriormente sancionado.

Os artigos 19º e 21º do Projeto de Lei reforçam o caráter civil das Guardas Municipais proibindo denominação idêntica das forças militares com relação a postos, graduações, títulos, uniformes, distintivos e condecorações e dispondo que Guardas Municipais utilizarão equipamentos padronizados preferencialmente na cor azul marinho.

Um passo muito importante para que as Guardas Municipais passem a participar na elaboração das politicas de segurança pública no país é prevista no artigo 20º do referido projeto com a representatividade das Guardas Municipais no Conselho Nacional de Segurança Pública, no Conselho Nacional das Guardas Municipais e no interesse dos Municípios do Conselho Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Segurança Pública.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que o Projeto de Lei da Câmara 39/2014, se aprovado pelo Senado e sancionado pela Presidente da República vai trazer importantes benefícios para a segurança pública no Brasil, não por se tratar de uma municipalização da segurança pública, conforme dizem os opositores do projeto, mas porque se trata do oferecimento de condições estruturais e de segurança jurídica aos Municípios que possuem Guardas Municipais e que já atuam, de fato na segurança pública dos cidadãos e seria possível contribuir em diversas situações com a população necessitada.

Uma medida importantíssima trazida pelo Projeto de Lei é a padronização das instituições Guardas Municipais através de critérios para seleção, nomeação de cargos de carreira, criação de telefones e frequências específicas, fixação de número de efetivo de Guardas por Município, código de conduta, corregedoria e ouvidoria.

Ao estabelecer as carreiras das Guardas e garantir a representatividade politica dessas instituições civis em formular as politicas de segurança pública no Brasil através dos mais diversos conselhos o projeto também protagoniza os integrantes das Guardas Municipais como agentes promotores da cidadania e participantes, de fato, do sistema de segurança pública do país.

Apesar de todas as outras inovações que o Estatuto Geral das Guardas pode incorporar a atividade dos Guardas as mais notadas são sem sombra de dúvidas as novas atribuições conferidas de proteger as populações, atuar em emergências, pacificar conflitos e outras relacionadas à paz social. Isso porque na prática, as guardas já faziam isso, pelo fato de ser impossível proteger bens, serviços e instalações de maneira dissociada de quem frequenta, utiliza ou de quem presta serviço nos logradouros onde os guardas prestam seus serviços rotineiramente.

Portanto os grandes avanços trazidos pelo Projeto de Lei da Câmara nº39/2014 são a padronização das mais de mil Guardas Municipais existentes nos Municípios brasileiros e a segurança jurídica para exercerem atividades relacionadas à segurança publica que de maneira fática já exercem.

REFERENCIAS

BRASIL, Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Plano Nacional de Segurança Pública. Brasília: 2000.

BRASIL, Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Relatório Descritivo. Pesquisa do Perfil Organizacional das Guardas Municipais 2003. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/leicom/1999/leicomplementar-97-9-junho-1999-377583-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em 10 ago. 2013.

BRASIL, Câmara dos Deputados. Consulta de Legislação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826compilado.htm>. Acesso em 10 jun. 2014.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Segurança Pública. Brasília: 2010.

GONÇALVES, C. R. Direito civil brasileiro, volume I. 6ºed. Saraiva, 2008.

MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

SENASP. Atuação policial na proteção dos direitos humanos de pessoas em situação de vulnerabilidade. Ministério da Justiça, 2010.

IBGE. Perfil dos Municípios Brasileiros. 10º ed. Brasília: 2013

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Pesquisa de Jurisprudência. Hábeas Corpus nº109. 105-SP. Acesso em 09 de Jul.2013

BRASIL. Senado Federal. Consulta de Legislação. Disponível em

<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=117124>

Acesso em 09 de Jun.2014.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Consulta de Legislação. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5123.htm>

Acesso em 09 de Jun.2014.

Leia mais: http://jus.com.br/artigos/29815/o-projeto-de-lei-da-camara-n-39-2014-aprovado-no-senado-e-as-mudancas-nas-atribuicoes-das-guardas-municipais#ixzz3reFgsKy8

Fonte: http://jus.com.br/513452-marcelo-alves-batista-dos-santos/publicacoes

Continue Lendo

Notícias

“VIOLÊNCIA NÃO É FORÇA, MAS FRAQUEZA “

#Avisoaosnavegantes

Segue artigo importantíssimo abaixo para estudos e debates, onde as Guardas Municipais devem se especializar e não cairem nos mesmos vícios.

#ComandanteNaval

“VIOLÊNCIA NÃO É FORÇA, MAS FRAQUEZA “

Segurança pública que recorre à truculência é um atestado de fracasso do Estado. A solução pode estar no urbanismo social

Tomas Alvim, Marisa Moreira Salles, Eliana Sousa Silva e Ricardo Balestreri|19 abr 2024_16h28

Diante do noticiário dos últimos meses, que mostra a persistência da criminalidade e o fracasso dos meios empregados para contê-la, a frase que dá título a este artigo – escrita pelo pensador italiano Benedetto Croce (1866-1952), que observava se tratar de uma definição “agradável” ao senso comum – é oportuna. Faz pensar sobre qual deveria ser, afinal, o papel do Estado frente aos episódios de violência que acontecem continuamente no país. E também nos impõe a reflexão sobre o grau de tolerância que temos, como seres humanos, com a naturalização da violência no cotidiano, o que leva a uma sensação de impunidade – e de esgotamento.

É evidente que, em muitas frentes, o Estado vem perdendo força na sua missão e sentido originários. Ele, que deveria garantir a segurança como um direito social – a exemplo da educação, da saúde, do trabalho, da moradia –, está deixando escapar a soberania sobre a atuação que deveria ter. Não se pode aceitar que o Estado fortaleça práticas reativas e belicistas, marcadas por operações policiais espetaculosas, intensos confrontos armados e aumento da letalidade de agentes de segurança.

Conforme preconizado pela Constituição Federal em seu artigo 144, a segurança pública é “dever do Estado”, devendo ser exercida para “a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. E há que se destacar, claro, a importância de todos os entes federativos na garantia desse direito – cumprindo as funções de suas instituições de segurança e integrando-as com outras políticas públicas. No entanto, quando o Estado troca o trabalho ostensivo e preventivo das polícias militares por ações reativas e repressivas em favelas e periferias, nota-se um indisfarçável sinal de mau funcionamento desse sistema. Mais: quando não se priorizam investimentos na capacidade investigativa das polícias federal e civis estaduais, constata-se a tibieza do Estado e um inegável desvio do exercício dos seus deveres constitucionais.

Além de evidenciar o alarmante poderio das facções criminosas, a recente alta dos tiroteios e operações policiais desastrosas – sem contar a demonstração de péssima administração de um presídio de segurança máxima – revela a incapacidade do Estado de garantir à população um direito fundamental.

Isso salta aos olhos, sobretudo quando o trabalho de ostensividade da PM vira sinônimo de abuso de poder – muitas vezes na abordagem a determinados indivíduos e populações ou em operações que, não raro, assumem um caráter mais ostentatório do que ostensivo.

A truculência tem sido notória em intervenções do Estado em regiões onde muitos direitos ainda não alcançam devidamente a população. Tome-se, por exemplo, a Bahia, em que confrontos entre grupos civis armados vem apavorando a população. Segundo o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho de 2023 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a Bahia foi o estado que mais produziu mortes em intervenções policiais, saltando de 1.335 em 2021 para 1.464 em 2022. Lá, o mês de setembro de 2023 terminou com 56 mortes decorrentes de intervenções policiais

Importante sublinhar que essa forma de atuação em nada tem contribuído para a redução da criminalidade. De acordo com o Fórum, a Bahia liderou o desolador ranking de mortes violentas intencionais, com 6.659 registros em 2022. Desde 2019, o estado registra o maior número absoluto de mortes violentas do país. Se o parâmetro for o de mortes violentas por 100 mil habitantes, a Bahia fica na segunda posição, com índice de 47,1, contra 50,6 do Amapá, o primeiro da lista. Quando comparados com os índices das maiores cidades do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, esses números são espantosamente elevados, já que a capital paulista registrou no ano passado 8,4 mortes por 100 mil habitantes, a menor taxa nacional, enquanto no Rio o índice foi de 27,9, o que o colocou na 17ª posição no levantamento.

O enfrentamento à criminalidade frequentemente desemboca em outro entendimento equivocado do que vem a ser polícia ostensiva. As políticas de segurança pública no país têm priorizado, ao longo da história, o uso da força – estratégia que vem se mostrando repetidamente ineficaz na chamada guerra às drogas. Um exemplo foi a ocupação do conjunto de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, pelas Forças Armadas, por catorze meses, entre 2014 e 2015. É possível afirmar que o uso da força e o custo elevado dessa operação, de 1,2 milhão de reais por dia, totalizando 529 milhões de reais ao final da ocupação, não reduziram a violência armada no local, segundo nota da organização da sociedade civil Redes da Maré, que há mais de duas décadas atua na região.

A nota veio a público no ano passado, após a notícia de que ocorreriam na Maré ações conjuntas de forças policiais dos governos estadual e federal. Dizia a nota: “Outra estratégia comumente utilizada (…) é a escolha das operações (…) nas favelas cariocas como principal modo de enfrentamento a grupos armados. Essas intervenções provocam mortes, inúmeras violações de direitos e diversos impactos no cotidiano dos moradores.” Tais operações, obviamente, também colocam em risco a vida dos policiais, que nem sempre se apercebem, com a devida clareza, do altíssimo ônus, para si e para suas famílias, de estarem sendo usados pelas autoridades políticas há mais de quarenta anos como executores de uma estratégia populista e falida.

Some-se ao risco inerente da “guerra às drogas” a ocorrência, citada no documento do FBSP, de mortes em confronto ou por lesão não natural fora de serviço. No ano passado elas chegaram a um total de vinte. “As mortes de policiais em confronto ou por lesão intencional provocada por terceiro fora de serviço, coincidência ou não, constituem a informação que menos expõe a responsabilidade do Estado desde o campo da segurança pública, frente à proteção dos respectivos profissionais”, ressalta o Anuário.

Embora tenha caído em relação a 2021, o número de suicídios de policiais, assunto de pouca transparência no Brasil, também salta à vista. No ano passado, 69 PMs e 13 policiais civis puseram fim à própria vida, o que evidencia o peso psicológico de seu trabalho. Com razão, o Fórum sustenta que “a falta de clareza sobre os dados de mortes de policiais em decorrência de lesão autoprovocada ou autoextermínio/suicídio afeta não apenas a categoria dos policiais, mas os rumos da Segurança Pública”.

Só falamos, até aqui, de um tipo de fracasso do Estado. Há outros, como o domínio, por parte de milícias, de vastos territórios, a ponto de trazer prejuízos para atividades econômicas. Empresas produtoras de energia solar desistiram de atuar em regiões do interior do estado do Rio, por exemplo, porque o preço que teriam de pagar para grupos criminosos que exercem o controle territorial era abusivo, além de ser algo que se caracterizaria como fora do controle do Estado.

Esse modelo de atuação extremamente violenta no combate à criminalidade se cristalizou como um fracasso no campo das políticas de segurança pública ao longo de mais de quatro décadas. Nesse período, assistimos não ao enfraquecimento dos grupos armados, mas à sua expansão por todo o território nacional. O Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) se alastram em diversas regiões. A experiência das milícias no Rio, em particular, chama atenção, seja pela sua capacidade de articulação com a estrutura estatal, seja pelo seu avanço territorial. Segundo estudo do Instituto Fogo Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), entre 2006 e 2021 a extensão de domínio das milícias aumentou 387%, em áreas onde vivem ao menos 4,4 milhões de pessoas. O que temos assistido é à perda de soberania do Estado em alguns territórios, e não apenas na esfera da segurança pública. A solução para os danos gerados por esses grupos exige que a segurança seja estendida para além da sua dimensão policial e articulada com outras políticas públicas estruturantes.

Não há dúvida de que as forças policiais exercem uma atividade fundamental para a sustentação da ordem democrática quando agem em favor do direito à segurança, sempre nos parâmetros da legalidade e também da ética que inspira as leis. Em consonância com seu papel constitucional, o Estado tem o dever de garantir segurança pública a todos. É preciso que haja, sim, o que se convencionou chamar de “saturação policial”– isto é, uma política de permanência e proximidade nos ambientes que correspondem às manchas armadas criminais mais lesivas à cidadania. Porém, ela deve ser acompanhada de uma “saturação” de oportunidades de inclusão.

A transformação de Medellín, na Colômbia, e os bons resultados em cidades como Recife e Belém, no Brasil, atestam a eficácia da aproximação entre segurança pública e urbanismo social. É uma política que permite olhar as cidades e pensá-las por uma perspectiva que prioriza o desenvolvimento de políticas públicas nas áreas que apresentam os piores indicadores sociais.

Precisamos analisar o que aconteceu com Medellín, que foi considerada, na década de 1990, a cidade mais violenta do mundo, com taxa anual de homicídios na casa dos 300 por 100 mil habitantes, aterrorizada pelo narcotráfico liderado por Pablo Escobar. Em 2013, entretanto, a metrópole colombiana recebeu o título de cidade mais inovadora do globo, em um concurso promovido pelo Wall Street Journal, em parceria com o Citigroup. Esse prodígio foi alcançado graças a uma intervenção urbanística e social sem precedentes, sobretudo nos territórios mais vulnerabilizados e com maiores desigualdades sociais.

O conceito de urbanismo social, que se tornou notório no mundo a partir do exemplo colombiano, tem como palavra-chave a inclusão. Foi possível ver que, a partir dessa perspectiva, a transformação real na vida das populações mais pobres venceu a violência em Medellín. Uma vitória baseada na ideia de que a vida na cidade deve ser sinônimo de cidadania.

Mas como se chegou a tal resultado em um lugar tão improvável? Por meio de uma grande “concertação” da sociedade civil, sob a batuta do estado de direito, representado, no caso, pela municipalidade. O diálogo entre o setor público, o privado, a academia e as comunidades tornou realidade algo que parecia utópico. 

Primeiro prefeito de Medellín comprometido em executar um plano de ação com base no urbanismo social, o professor de matemática Sergio Fajardo comandou a cidade entre 2004 e 2008. Pôs em prática, ao lado de nomes como o comunicador Jorge Melguizo, ex-secretário de Desenvolvimento Social e de Cultura Cidadã, e dos arquitetos Alejandro Echeverri e Carlos Mario Rodríguez, uma autêntica agenda social; uma política de universalização de benefícios, no sentido republicano da expressão.

Essa política foi mantida por Alonso Salazar, jornalista investigativo que se elegeu prefeito para um mandato de 2008 a 2011. Na gestão de seu sucessor, Anibal Gaviria (2012-2015), Medellín recebeu o mencionado título de cidade mais inovadora do mundo. É importante frisar: o enfrentamento aos históricos e altos índices de violência ainda persistentes no início dos anos 2000 foi articulado com inteligência e muita firmeza em relação aos grupos criminosos, mas também por meio de iniciativas que tinham o objetivo de diminuir a desigualdade social na cidade.

O que se priorizou em Medellín foi a elaboração de um plano de trabalho que reposicionou as forças policiais. Ele incluiu não apenas o uso da inteligência e da força quando necessário, mas também, prioritariamente, o afastamento dos profissionais àquela altura contaminados pela corrupção, que poderiam alimentar práticas danosas ao poder público.

Do caso colombiano, podemos destacar a construção de grandes equipamentos públicos-âncora, como as Unidades de Vida Articulada (UVA) e as Bibliotecas-Parques. Pensados para atender a uma altíssima qualidade arquitetônica, com rapidez na entrega, esses projetos foram acompanhados de um diálogo permanente com a população local. A perenidade da política de inovação levou Medellín a ser o que é.

O urbanismo social tem como ideia-força pensar as cidades a partir de uma lógica de equidade, priorizando projetos em regiões onde o acesso universal às políticas públicas ainda demandam atenção, esforço, inventividade e uma perspectiva política de superação de visões preconcebidas, preconceituosas e racistas. Estamos falando, especificamente, de pessoas que moram em áreas com baixos indicadores sociais e que penam com a falta de acesso a direitos elementares como saneamento básico, educação, saúde, mobilidade, habitação e arte.

Figuras-chave do urbanismo social de Medellín reconhecem que aprenderam muito com o projeto Favela Bairro, programa de urbanização de favelas realizado pela Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro entre 1994 a 2000, sob o comando do então secretário Sérgio Magalhães. Com base nessas referências, entendemos que o Brasil já não precisa mais se ater exclusivamente às ideias desenvolvidas pelos colombianos. Também em nosso país o urbanismo social começa a ser implantado – e com bons resultados. A história brasileira, é claro, ensina que é preciso parcimônia ao se analisar experiências de urbanismo e modelos de segurança pública cidadã. Premidos por uma cultura de populismo político, excelentes programas têm sido descontinuados ou substituídos, muitas vezes por ações de efeito midiático. O clientelismo e o loteamento político têm feito naufragar, tristemente, iniciativas de alto potencial transformador.

Apesar disso, duas experiências brasileiras merecem ser citadas como fontes de esperança: a dos Compaz, em Recife, e a dos Terpaz/Usinas da Paz, no Pará, especialmente na Grande Belém. Na capital pernambucana, os Centros Comunitários da Paz (Compaz), foram concebidos para superar e prevenir a violência, promovendo a inclusão social e o fortalecimento comunitário. Os centros abrigam biblioteca, salas de aulas para cursos de idiomas, empreendedorismo e robótica, quadras poliesportivas, centro de treinamento de artes marciais, piscinas e serviços como assistência social, mediação de conflitos e defesa do consumidor, em um modelo que guarda semelhanças com o Centro Educacional Unificado (CEU), implantado em São Paulo há pouco mais de vinte anos. O primeiro Compaz foi inaugurado em 2016 e o segundo, em 2017. No primeiro ano de funcionamento das unidades, os índices de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) caíram, respectivamente, 27,3% e 35% no raio de 1 km de cada centro.

Em Belém, tudo começou em 2019, quando o governo estadual instituiu o programa Territórios pela Paz – Terpaz, com o propósito de reunir um conjunto de políticas públicas focadas no enfrentamento à violência nas áreas mais vulnerabilizadas do estado. O trabalho que vem sendo realizado tem como foco a prevenção e a mediação de conflitos, atuação nos âmbitos do aumento do emprego e da renda, melhoria das políticas públicas de habitação, saúde, esporte, tecnologia e inclusão digital.

A partir da construção de equipamentos públicos chamados de Usinas da Paz – Usipaz, o governo tem buscado concretizar a oferta de serviços nos campos da educação informal, lazer, esporte, saúde, cultura, convívio comunitário e resolução de conflitos. Com isso, a população pode exercer direitos aos quais antes não tinha acesso. As usinas funcionam como “equipamentos-âncora” na transformação desses territórios.

A primeira etapa de implementação foi concluída em 2022, com nove Usipaz construídas (sete na região metropolitana e duas no interior). Segundo informações da Secretaria de Inteligência e Análise Criminal (Siac), a ocorrência de crimes violentos nos sete bairros da região metropolitana de Belém alcançados pelo programa caiu, em média, 86% nos primeiros oito meses de 2023 em comparação com o mesmo período de 2018.

Em contraste, podemos pensar os motivos que acarretaram políticas fracassadas em outros estados brasileiros. Sem dúvida, algo que chama atenção nesses casos é a priorização da política de enfrentamento ao crime baseada em uma estratégia belicista, sem respeito às populações que vivem nas áreas afetadas.

Nos bons exemplos da Colômbia e do Brasil, vemos que não se faz segurança pública sem as forças policiais – tampouco somente com elas. É preciso incorporar uma dimensão urbano-social para termos êxito. Não podemos tolerar a escalada da violência sem precedentes em algumas regiões. Precisamos construir cidades mais inclusivas, com mais equidade no acesso a direitos e com políticas públicas que, de fato, diminuam a desigualdade social. É preciso refletir sobre outras abordagens de segurança pública. O trabalho dos policiais deve priorizar a vida como bem maior, a partir dos preceitos constitucionais.

Disseminar essa agenda é um dos objetivos do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, que tem em sua estrutura o Núcleo de Segurança Pública, Urbanismo Social e Territórios. Esse trabalho teve início em 2020, quando o laboratório instaurou o primeiro curso de pós-graduação do país dedicado aos estudos do Urbanismo Social, em parceria com o Itaú Cultural. O curso agora está em sua quarta turma. Nessa trajetória, o Laboratório Arq.Futuro de Cidades vem produzindo conhecimento sobre urbanismo, tendo como orientação a superação da desigualdade social e a garantia da democracia. Um exemplo dessa atuação foi a publicação, em março de 2023, do Guia de Urbanismo Social. 

O Brasil tem cerca de 85% de seus habitantes vivendo em cidades, quase um quarto deles em situação de pobreza ou pobreza extrema. Entendemos que as soluções dos problemas das populações urbanas – entre elas a violência – passa, inapelavelmente, pela escolha de uma gestão compartilhada, uma concertação de diferentes agentes públicos e privados, em um tipo de dinâmica que diz respeito a toda a sociedade.

É preciso não apenas enxergar os territórios invisibilizados, mas ouvi-los também. É urgente a construção coletiva de estratégias que enfrentem o grave problema da segurança pública e das desigualdades territoriais, com participação das pessoas que são diretamente afetadas pela violência urbana. Só assim caminharemos para um futuro em que nossas cidades permitirão formas mais justas de se viver, valendo-se, enfim, do capital humano e criativo que tanto se exalta no povo brasileiro.

Tomas Alvim    

É cofundador e coordenador-geral do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. Também é editor e sócio da BEI Editora

Marisa Moreira Salles

É integrante do Conselho do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, fundadora da BEI Editora e cofundadora do Arq.Futuro

Eliana Sousa Silva

É coordenadora e professora do curso de pós-graduação em Urbanismo Social do Insper e pesquisadora do Núcleo Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades. Foi diretora da Redes da Maré

Ricardo Balestreri

É coordenador do Núcleo de Segurança Pública, Urbanismo Social e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper

Fonte: https://piaui.folha.uol.com.br/violencia-nao-e-forca-mas-fraqueza/

Continue Lendo

Notícias

ONG SOS Segurança Dá Vida apóia time de Voleibol Feminino DIVAS de Ariquemes/RO

#Avisoaosnavegantes

Segue abaixo documento referente ao apoio do time de Voleibol Feminino DIVAS de Ariquemes do estado de Rondônia é mais uma das modalidades esportivas que a ONG SOS Segurança Dá Vida tem como bandeira prioritária para diminuição da violência na sociedade brasileira.

#Naval

Nesta semana, mais precisamente na data de ontem(18/04), a ONG SOS Segurança Dá Vida que também atua em Rondonia sob a supervisão da Vice Presidente Rosilene Brito, responsável pelo time de Voleyboll feminino Divas da cidade de Ariquemes naquele estado, informou sobre situações do Torneio que estão inscritas para participarem neste próximo final de semana, nos dias 20 e 21/04 do corrente ano e diante dos fatos apresentados, de imediato a diretoria nacional confeccionou documento solicitando atenção ao caso em pauta.

O problema apresentado se trata da arbitragem, onde solicitamos com urgência a inclusão de uma cláusula no regulamento referente à arbitragem do campeonato de voleibol que está sendo organizado pela FUNCET, a qual estipula o impedimento de árbitros que possuam vínculos com os times ou atletas participantes da referida competição. (Como ocorreu no último campeonato em 2023).

De imediato, protocolado o documento, a diretoria da Fundação após conversar com a Vice Presidente Rosilene Brito e se prontificou a acatar a sugestão e solucionar tal fato. Por este motivo parabenizamos ambas as partes envolvidas pela facilidade de conduzir o evento e agradecemos pela celeridade e transparência apresentadas inicialmente. Parabéns a todos!

#equipedosite

Continue Lendo
Publicidade

Mais Populares

Guardas Municipais - Todos os direitos reservados © 2021 | Desenvolvido por Melhores Templates